domingo, 11 de abril de 2010

UM MERGULHO NO PASSADO de Adaulino Rocio de Castro Pinto

               
 Quis o destino que aproximadamente há 48 anos atrás, exatamente no dia 29 de setembro de 1961, após enfrentar durante um dia inteiro, uma difícil jornada de serra abaixo em busca de uma vítima de acidente aviatório na serra do Marumbí, no Paraná, lá pela meia noite aportamos em minha pequena Morretes, em busca de abrigo em casa de parentes que há cinco anos não os via. Comigo estavam dois companheiros Sargentos Travassos e Cortês.

                  Batemos à porta da casa de minha tia Lólinha que residia na antiga rua do Carvão, ao lado da tradicional Igreja Batista. Minha tia pelo vão da porta semi-aberta, estranhou a presença de três vultos armados solicitando ajuda num horário impróprio.

                 Meu amigo Travassos meio inconformado disse:

               -Vamos dormir num banco daquela praça que acabamos de passar.

                Era a Praça da Estação, a Rocha Pombo, que quando passamos, ele achou que era um ótimo lugar para pernoite.

               Não resisti e gritei:

              -Lólinha aqui é o Nino de São Paulo!

               Foi como uma palavra mágica, no silencio do interior da casa, ouvi uma gritaria de meus primos que minutos antes estavam assustados:

              - Mamãe, mamãe, é o Nino mesmo, mande entrar.

              Após um banho e uma saborosa sopa quente, o Travassos e o Cortês foram dormir, enquanto tive que satisfazer as perguntas de meus primos, a tia Lólinha e seu marido Alfredo.

              Ao amanhecer deixei meus companheiros dormindo e fui ao posto de Telefone, na praça  Silveira Netto, liguei para a Base Aérea do Bacacheri onde estava sediado nosso helicóptero H-l9 de Busca e Salvamento, e solicitei nosso resgate. Horas mais tarde, precisamente no dia 30 de setembro de 1961, pousava o maior helicóptero do Brasil no campo do Cruzeiro F.C. meu time de coração.

              No intervalo que antecedeu a chegada do H-19, subi as escadarias da Igreja de N. Sra do Porto e lá no alto ao lado da Cruz erguida em frente a matriz, vislumbrando a cidade em todos seus pontos, comecei a resgatar as lembranças de meu passado:

              A morte de minha jovem mãe, quando eu tinha quatro anos e nem sabia o significado da palavra “morte”.

             Meu pai Adauto, minha falecida mãe Adalvina (Nizinha), a avó que me criou, Castorina e meu irmão Adaltino (Nizinho).      
                                                                                            
                  O bairro Barro Branco onde morei, e onde pelas mãos da professora Aline Moraes, aprendi as primeiras letras do alfabeto na escolinha de madeira da dona Tereza Pradella.

                 As pescarias ao lado de meu pai, no rio Nhundiaquara nas proximidades do morro do Berga.

                  O tempo que tinha que trabalhar para meu padrinho Dórico, ainda com tenra idade, vendendo pães em sítios distantes.

                   A casa de minha avó Castorina, que me criou após os nove anos de idade, bem em frente à Igreja onde me encontro.

                  A morte de meu único irmão, Nizinho com nove anos de idade, que após cinco dias de sofrimento, vítima de tifo, descansou.

                  Daqui do alto da igreja onde observava os aviões que passavam sobre o Marumbí rumo norte, que meu pai dizia que eles iam em direção à São Paulo.

                   As viagens a pé pela madrugada em companhia de meu pai até a cidade de Antonina e o regresso de trem, portando mercadorias para vendermos no mercado de Morretes.
  
                 Os sonhos de um dia conhecer Curitiba, andar de bonde, conhecer o Passeio Público, e talvez ir até São Paulo ou Rio de Janeiro, neste momento lembrei a frase poética de Luiz Vieira: “sou menino passarinho com vontade de voar”.

                   O Grupo Escolar “Miguel Schleder” na rua de Baixo (Cel Modesto), onde fiz até o quinto ano primário, e cuja Diretora era a Sra Iracema Bittencourt.

                    As minhas mestras e mestres, Inês Cento Fante, Nely Tavares Leal que me ensinou o alfabeto gótico ainda no primário, Rute Vergés, Albino, Robert, Desauda, Dr. Mello e muitos outros que me vem a imagem e não os nomes.
                                                     
                   A minha patota da rua de Baixo, cujos nomes ou apelidos lembro de alguns como:                                                       
Marcos e seu irmão Leví “Picega”, João “Chimango”, Parú, Tonico “Porquinho”, Nemézio “Boi”, Pedro “Boi”, Pilho “Bolacha”, Nenê “Sapo”, René “Cobrinha” , Dito Pé de Peixe e muitos outros.
                                                                                                              
                    As eleições onde se podia comer a vontade sem pagar, pois o PTB oferecia churrasco, e a UDN e PSD barreado, prato típico da cidade.

                     O carisma do Padre Saviniano e o tempo que fui seu sacristão e sineiro.
 
                   A firma B. Antunes de Oliveira (Nhô Zinho), onde com 12 anos trabalhei no setor de engarrafamento de bebidas e torrefação de café (Ladi), sob chefia do Orlete, um dos filhos de Nhô Zinho.                     

                    O depósito de bananas do Chaim Maia, onde ajudava a carregar os vagões de trem e em troca recebia cachos de banana madura.                                                                       

                     A pesca para fisgar acará no prato, às margens do Nhundiaquara, quando estavam chocando seus ovos.

                     O “seu” Benjamim “Caninana”, comerciante próximo à Igreja Matriz, que todos os anos no dia de finados, me fornecia velas e fósforos para vender na entrada do Cemitério Municipal.

                     A coleção de balas Zequinha e Chico Fumaça, cujas figurinhas eram disputadas em jogos de “raspe” ou “bafo”, na casa do Pilho “Bolacha”.

                     A minha alegria ao passar no exame de admissão na primeira turma do recém inaugurado Ginásio “Rocha Pombo”.

                      A minha mudança para Curitiba e compor a primeira turma ginasial do Colégio Estadual do Paraná, cuja inauguração foi pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra.

                       A tristeza de minha reprovação na primeira série ginasial.
                     
                       A minha volta a Morretes após três anos em Curitiba.

                      Minha tentativa de desistir de estudar, pois precisava trabalhar para minha subsistência, mas a Diretora Iracema Bittencourt assumiu meu problema e conseguiu junto ao Sr. Arlindo de Castro, gerente da Fábrica de Papel, para que eu trabalhasse à tarde e parte da noite, de modo que pela manhã freqüentasse o único período existente no ginásio.

                       Minha participação em duas patotas diferenciadas, uma do ginásio composta por filhos de comerciantes, professores e fazendeiros, e a outra da Fábrica de Papel composto de peões humildes e mal remunerados, e em ambas consegui me entrosar.

                        O sr. Arlindo de Castro que aos domingos nos emprestava o caminhão para transporte do time de futebol da Fábrica para bairros de Morretes, como Anhaia, Pedra Preta, Fortaleza, América de Cima, Passa Sete e outros.

                       A minha formatura de ginásio e de meus colegas, Miguel Salomão (Azeitona), companheiro nos trabalhos de desenho e inglês, Mussi Daher, meu levantador no time de voleibol, Mauro Cherobim, João José, Alfredo Gnatta, Osvaldo Colodel, Luis Bortolo Zilli, Guilherme Luk, Lys Eglê, Elio Martinelli, Maria Joana e Roseliz.

                        Meu ingresso na Força Aérea Brasileira como soldado em 01 de março de 1954, onde iniciei minha carreira militar.
 
                      As lembranças do passado quase me fizeram esquecer o presente, o H-19 com seu potente ronco estava se aproximando de Morretes, e imediatamente me dirijo ao campo do Cruzeiro, escoltado por um grupo de pessoas composto por adultos e crianças do Colégio Rocha Pombo, todos me fazendo mil perguntas que a medida do possível vou respondendo.  
                                                    
                      Lá encontro, Travassos, Cortez, meus primos, tia Lólinha e o Alfredo. O H-19 está iniciando o pouso e a população da cidade parecia que estava toda ali, de vez em quando escutava uma voz saindo da multidão: aquele ali é o Nino.

                          Nosso gigante sob os olhares incrédulos daquela multidão enfim pousa suavemente, me despedi dos parentes e conhecidos ali presentes e embarcamos, sentindo deixar um passado no qual momentos antes eu tinha mergulhado, e lá de cima via minha Morretes ficar pequenininha até desaparecer ao transpormos as muralhas do eterno Marumbí.
     
                                                            F I M

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