As letras nos fazem retornar ao pretérito e dar movimento àqueles que não estão mais. O pretérito, as pessoas que lá ficaram e as que permaneceram e que nos acompanham até hoje são a matéria prima da imagem que se constrói na nossa memória.
Morretes de ontem diferia da de hoje em muitos aspectos. Melhor, pior, não interessa. São valores. Era diferente. Era uma Morretes “mais cabocla”, mais isolada voltada mais a si, não por algum “austismo” social, mas em razão das limitações dos meios de comunicações. A estação ferroviária, o ponto de ônibus, os jornais, o rádio com as suas “ondas tropicais” eram os meios através dos quais se sabia o que acontecia além dos limites da cidade.
Havia um fervilhar por baixo desta comunidade aparentemente pacata. Era um fervilhar intelectual, no qual os professores (do curso primário) lideravam, e um fervilhar de vida própria. O apito da fábrica de papel marcava o início da vida diária. As carroças com duas parelhas, uma de cavalos à frente seguida por uma parelha de burros, carregadas de cana em direção do engenho do Central e depois em direção da usina de açúcar, com os carroceiros estalando os seus chicotes sobre os animais, sem tocar neles. Este fervilhar se repetia da dezena de engenhos de cachaça no município e também com as carroças e caminhões que desciam das estradas estreitas e sinuosas dos morros e das serras carregados de banana.
Quem fosse às proximidades da Estação Ferroviária veria caminhões e carroças ao lado de vagões carregando-os de banana recém-chegadas dos bananais.
A fábrica de papel e a usina de açúcar fecharam as portas. Os empregos desapareceram, uma parte representativa do município se transformou em área de proteção ambiental, as pessoas começaram a emigrar e os que ficaram queixavam-se que a cidade se tornaria uma cidade aposentados e tenderia a desaparecer. A minguar.
Até que um prefeito resolveu a investir na cidade e alguns restaurantes fizeram a sua parte divulgando uma comida tida como tradicional da cidade, o barreado. A cidade ressurgiu, criaram-se cooperativas de artesões, de produtores agrícolas, proporcionou empregos. A cidade começou a viver do turismo.
Morretes fica entre a serra e o mar. Mesmo o mar ficando fora dos seus limites, maré interfere na vazante dos seus rios. Tudo complica quando chove nas serras, os rios enchem e a maré sobe. As águas dos rios são represadas.
Este ano choveu em dois dias o que se esperava chover em um mês. E pegou duas marés altas. A cidade alagou com as águas represadas. Houve deslizamento num bairro rural com perdas humanas. A estrada que liga o planalto ao porto foi interditada por deslizamento e que de pontes.
As águas baixaram e a cidade começou a retornar à normalidade.
Mas... Outro dia recebi um e-mail que em certa altura comentava que:
O TURISTA sumiu. Os restaurantes e pousadas estão vazios, as lojas não vendem nada, o comércio está praticamente parado, restaurante que atendia com 30 funcionários esta trabalhando com 5, local que precisava reservar mesa, atendeu dia 27 domingo o meu grupo pela primeira vez após o incidente das chuvas, com uma cozinheira e uma atendente.
Ah, o problema de cidades turísticas, balneárias, que vivem de fluxos externos. Uma estrada interrompida, um abalo econômico ou qualquer outro fator que prejudiquem o trânsito ou a capacidade financeira das pessoas são suficientes para abalar social e econômica de quem vive do fluxo turístico.
Parece-me que chegou o momento de se sentar em volta de uma mesa e repensar o futuro a partir de uma indagação: o que existe por trás desta vitrine turística? Como se poderá viver se houver uma crise que afete o fluxo turístico?
E a política ambiental? Morretes se aproxima do neomito do “paraíso perdido” almejado pelos ambientalistas fundamentalistas. O afastamento das pessoas do bioma, os seus “destruidores”, na tentativa de se reconstruir o meio intacto, como deixara o primeiro casal após a sua expulsão do Éden, como nos conta o mito de gênesis.
Chegou o momento de se deixar de lado a utopia religiosa e pensar na sobrevivência da população que sofreu o impacto de um acidente ambiental. A sobrevivência e a preservação ambiental.